Carta de Pe. Jean-Marie Delorme a Marcelino Champagnat

Mornant, 23 de janeiro de 1836.

Senhor superior:

A paróquia de Mornant só pode louvar o zelo dos vossos Irmãos. A sua solicitude contínua para encorajar os meninos e achar os meios para apressar o seu progresso faz-nos conceber as mais belas esperanças para a infância e a juventude.

Os vossos Irmãos foram obrigados ultimamente a separar os alunos em três divisões. Aprovareis, senhor, essa medida, após pesar os motivos. O número de meninos que acorrem à escola, sobretudo nesta estação do ano, é prodigioso. Se há alunos de cinco a dezessete anos, como poderíamos ter apenas duas classes de indivíduos? Alguns nunca receberam instrução, outros passaram apenas alguns meses na escola, outros, enfim, seguem os cursos cada ano, ou há alguns anos, e eles são muito numerosos. É fácil compreender que esses últimos podem rigorosamente encontrar-se todos na mesma sala, tanto mais que apenas poucos deles estão mais adiantados que os outros; mas os primeiros, os que começam com o alfabeto, qual será a sua atitude, quando ouvirem, durante duas horas, 60 ou mais de seus colegas lerem, de maneira informe e enfadonha, algumas linhas, nas quais os erros sobrepujarão a quantidade de letras? Ademais, o Irmão encontrará, em tão curto espaço de tempo, alguns minutos para prodigalizar os seus cuidados a cada um ?

Com efeito, se cada aluno tiver um minuto será muito. Desse jeito, que progresso haverá? Sabeis que se um menino não está continuamente ocupado, ele se enfada e boceja; eis a fonte do desgosto e do mal-estar que toma conta dos alunos, que os afasta das escolas e faz que rejeitem os livros como a causa do seu aborrecimento. A emulação fica paralisada, se um aluno se vê inferior ao rival, o que aconteceria no caso em que os principiantes fossem reunidos com aqueles que já dominam os primeiros princípios, porquanto ou seguiriam o mesmo trabalho, o mesmo gênero de leitura, ou uns e outros teriam tempo determinado, que lhes seria exclusivamente consagrado.

A primeira hipótese é impossível; a segunda é muito embaraçosa; ou uns ou outros ficarão ociosos, na força da expressão, porquanto o aluno aplicado se cansa, quando a atenção é exigida por longo tempo; e muito mais se cansará o aluno pouco inteligente e dissipado. Rogo-vos que observeis que falo de escola com numerosos alunos como a de Mornant.

A essas considerações seja-me permitido que vos aponte ainda a exigüidade do local. A saúde dos alunos pode ficar comprometida. E não é para estranhar, visto que o ar é rapidamente absorvido por essa turma assaz considerável. Acrescentai a isso que os pais perceberão o pouco progresso dos seus filhos. Retirá-los-ão, contrariados com as escolas dos Irmãos e até com os próprios Irmãos; pedirão professor estranho ao vosso Instituto, atitude que prejudicaria de modo singular as nossas pretensões, deixar-nos-ia inquietos e fatigaria quase toda a comuna.

Essas razões, e muitas outras que seria fastidioso expor, comprometer-vos-ão, senhor superior, não duvidamos, a aceder às boas intenções dos queridos Irmãos de Mornant. Tal permissão expressa e por escrito do vosso Conselho, nós a pedimos, senhor, para o bem da vossa obra, no interesse da paróquia de Mornant e para a maior glória de Deus.

No mais, senhor, não temais que a comuna, vendo diminuir o número de alunos dentro de alguns meses, por causa das ocupações agrícolas, pense em vos devolver algum dos Irmãos, se dois puderem fazer facilmente o trabalho. A soma que lhes é votada destina-se unicamente a tal uso. Podeis ficar certo disso. O Irmão Laurent, cuja saúde é imperturbável, poderia dar aula aos principiantes e ainda cuidar da cozinha, se concordais com isso.

O senhor pároco roga-vos com instância que insistais na disciplina exata e severa nas aulas. Pede-vos ainda que examineis se há algum meio de ocupar os meninos de pouca idade, enquanto os seus colegas lêem. Não se poderia, por exemplo, estabelecer seções de dez alunos com monitores para cada seção, como se faz no ensino mútuo ? Os monitores ocupariam os meninos com outro exercício, como escrever sobre a areia, traçar as figuras do alfabeto etc. Nosso pároco submete todas essas reflexões ao vosso discernimento e sabedoria.

Recebei, senhor Superior, a certeza do respeito e os seus sentimentos da mais perfeita consideração, com os quais ele tem a honra de ser o vosso dedicado servidor.

Pelo senhor pároco, adoentado neste momento, DELORME, vigário.

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Notas
Os Irmãos tinham assumido a escola de Mornant em novembro de 1826, com muita satisfação da população local. Na época era pároco o Pe. Jean Decoeur, que faleceu em 1835 e que foi substituído pelo Pe. Joseph-Marie Venet. Esta carta foi escrita pelo seu coadjutor Pe. Delorme, para pedir a abertura de uma terceira sala de aula na escola, mas sem a nomeação de um quarto Irmão. A comunidade era formada por três Irmãos, que atendiam duas salas de aula. O terceiro Irmão, como era habitual, encarregava-se da cozinha. O Pe. Delorme sugere que o Irmão da cozinha fique encarregado do terceiro grupo de alunos; pede autorização do Pe. Champagnat para tal modificação no regulamento dos Irmãos e alonga-se em considerações pedagógicas. O Fundador, fiel aos seus princípios, não consentiu naquela exceção. A comunidade continuou com três Irmãos, conforme se deduz de cartas dirigidas ao Pe. Venet e ao prefeito de Mornant (Lettres, doc. 225 e 230), nas quais o Fundador reclama o pagamento atrasado dos 1200 francos estipulados, o que corresponde à atuação de três Irmãos e, portanto, de duas salas de aula. Para o funcionamento de três salas de aulas eram necessários quatro Irmãos na comunidade, o que elevava o pagamento anual a 1600 francos. O pedido oficial de um quarto Irmão foi feito mais tarde, em 1844, pelo Pe. Venet.

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AFM 129.20

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