Digoin, 10 de junho de 1840.
Senhor superior:
Na leitura da vossa carta de 5 do corrente os braços me caíram e quase desanimei, porquanto diferir ainda por um ano o começo do nosso estabelecimento será provavelmente diferi-lo por oito ou dez. Uma vez instalados os professores vindos da escola normal, não será coisa fácil desfazermo-nos deles e é o que acontecerá; vêem-se com indignação em Macon os jovens de Digoin por causa da falta de instrução aqui. Esperou-se em Macon, ano trás ano, e se está disposto a esperar mais.
Segundo a minha experiência e o conhecimento que tenho da minha paróquia, podeis tranqüilamente, sr. superior, prometer-nos para este ano os vossos Irmãos. Não tereis queixas contra mim. Vereis que vos falei com conhecimento de causa e que a nossa escola prosperará. Pelo contrário, se não me dais a honra de deferir a minha exposição, que é a dos meus paroquianos, vós tereis, e nós também, a amargura de ver ou de constatar o sofrimento em Digoin, não sei por quantos anos. Não deveis crer que, porque tivestes de vos queixar de algumas paróquias, que ocorrerá o mesmo aqui. Não. Não. Se tivesse que temer isto, eu não me anteciparia assim. Que é necessário, pois, sr. superior, para aquiescerdes aos nossos anseios para esse ano? Temos moradia das mais encantadoras, das mais completas, das mais salubres. Creio que, se a vísseis, ficaríeis encantado com ela e desejaríeis que fosse morada permanente dos Irmãos.
Quanto às despesas todas do primeiro ano, tenho tudo o de que se precisa em segurança, aí incluída a retribuição para a casa mãe, cerca de 4.000 francos. Quanto à retribuição anual, ou pagamento, os Irmãos não terão nenhuma inquietude; será tudo pago exatamente. Espero que fareis bem em crer na minha palavra. Senhor superior, todo o mundo tanto espera para este ano os Irmãos que, se definitivamente não vierem, todos ficarão desconcertados aqui, e o entusiasmo cairá no fundo do poço. Desejo assim de tão longa data, tanto meu como dos meus paroquianos, não poderia estender-se por mais tempo sem detrimento da religião e do bom sucesso da nossa empresa.
Sabeis, sr. superior que, a partir da minha resolução de ter Irmãos, nunca hesitei acerca da minha escolha. Lancei o meu olhar sobre a vossa congregação, submetida à nossa divina Mãe, e não o tenho desviado. Estou persuadido de que, na necessidade premente em que nos encontramos, não quereríeis causar-nos a dor de que nos provêssemos alhures, porque é resolução tomada em Macon: se os Irmãos não vêm este ano, o mais tardar no dia de Todos os Santos, em lugar de Irmãos teremos professores privados. Em conseqüência, rogo-vos queirais preservar-nos disso, assegurando-nos os Irmãos para essa data. A vossa resposta afirmativa, sr. superior, vai encher-nos os corações de alegria. Formulamos votos ao céu em favor de tudo o que vos possa ser necessário, convicto de que a Santíssima Virgem os apoiará em favor vosso e nosso.
Há um ano que tenho o arrendamento da sobredita casa para os Irmãos e sem nada tirar. Que dissabor ver-me obrigado a cedê-la. Em todo o Digoin não encontraríamos outra tão conveniente a não ser que esperemos que aquela da comuna seja habitável; por outro lado, o proprietário quer saber se vou guardar a sua casa ou não. Tirai-me, vo-lo rogo, sr. superior, deste embaraço, que vos testemunharei vivo reconhecimento.
Creio haver-vos dado pormenores desta casa, mas com o temor de que não os tenhais presentes na memória, ei-los: primeiro, é muito salubre, muito bem situada; duas belas salas no andar térreo; no primeiro, 5 peças; bela cozinha; linda sala de refeições; belo salão para recepções ou para trabalhar; dois pequenos quartos para pôr dois leitos; grande alcova ou quarto, que também comporta dois leitos; chaminés em cima e embaixo; vasta adega; vasto sótão, onde se poderiam colocar camas, em caso de necessidade; escada de pedra para ascender ao primeiro andar, e de madeira para ascender ao sótão; grande pátio e grande horta, tudo fechado por muro, exceto o fundo da horta, fechado por cerca viva bem talhada.
O pároco de Vauban, que acaba de visitar-me, ficou encantado e achou a casa suficiente e apropriada. Todos os que a vêem dizem a mesma coisa. Poderíamos guardá-la por tanto tempo quanto quiséssemos e, sr. superior, se o vosso tempo e saúde não vos permitem vir examiná-la, ser-vos-á fácil escrever a um dos vossos Irmãos diretores mais próximos, para que venham ver como é e vos possam testemunhar aquilo que tive a honra de dizer-vos.
Acabo de saber que estais doente, o que me causou muita pena. Rogo ao Senhor que vos alivie prontamente e vos conserve para a vossa comunidade, feliz sob a vossa paternal direção. Saúdo respeitosamente o querido Irmão Francisco e rogo-lhe que se una a vós na convalescença, para realizar com presteza o nosso santo empreendimento, cuja retardação poderia muito bem cair em proveito do demônio.
Aceitai, vo-lo rogo, a nova certeza do meu profundo respeito, com o qual tenho a honra de ser, sr. superior, o vosso muito humilde e muito obediente servidor PAGE, pároco de Digoin.
P.S. Perdoar-me-eis a extensão; é um coração dilacerado pela dor que fala e retorna para solicitar a vossa ternura para conosco. Espero firmemente que a Santíssima Virgem, minha mãe e minha patrona, nos obterá resposta favorável. Não comuniquei aos meus paroquianos a vossa última carta e espero anunciar-lhes com alegria aquela com a qual, sr. superior, haveis de honrar-nos, como espero.
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Notas
O Pe. Champagnat tinha falecido há quatro dias quando essa carta lhe foi dirigida. O texto é resposta a uma carta do dia 5 de junho, que o Pe. Page atribui ao Fundador, e que, na realidade, é do Ir. Francisco, porque era ele que, pouco a pouco, nos últimos meses, respondia em nome do Pe. Champagnat. De l’Hermitage anunciava-se a necessidade de adiar ainda por um ano o envio de Irmãos para Digoin. O Pe. Page ficou muito deprimido com aquela notificação e escreveu essa longa carta, extravasando o seu desapontamento: “meus braços caíram, desanimados e o meu coração está dilacerado pela dor”. Ao mesmo tempo ele relata tudo o que já fez em termos de gastos e de compromissos para fundar a escola, com os efeitos negativos que poderiam advir da não vinda dos Irmãos naquele ano. Conclui a carta fazendo apelo à bondade do superior e confiando tudo à Virgem Maria, certo de que ela lhe conseguirá os Irmãos. Assim aconteceu. Os Irmãos abriram a escola de Digoin ainda naquele ano.
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AFM 129.81